Turismo sobre viagens
O título mais redundante para uma matéria na história, apesar de coeso, não revela que entrevistamos Matias Maximiliano, idealizador da primeira revista sobre cannabis no Brasil e de um programa sobre turismo em busca de narcóticos.
No dicionário dos psiconautas encontrei o seguinte verbete:
Nar.co.tu.ris.tas / substantivo (lat) 1 Websérie paródica de programas de turismo da GNT de periodicidade irregular 2 Produto audiovisual com preocupação quase didática sobre consumo e cultura de entorpecentes variados 3 O resultado de background no humor e ativismo canábico oriundo da revista Sem Semente e dos quadrinhos Tarja Preta
A origem dos episódios produzidos pelos cariocas Matias Maximiliano e Daniel Paiva brotou da época em que foram visitar a Cannabis Cup de Amsterdã, em 2012. A finalidade era cobrir o evento para a publicação de cultura canábica Sem Semente, a primeira publicação impressa sobre ganja no brasil, fundada no mesmo ano por Matias.
Basicamente, o que fizeram foi ingerir erva e derivados de trocentas maneiras e gravaram um monte de gracinhas com uma máscara de luchador mexicano decorada com uma puta folha de maconha. Editar esse material dois anos depois rendeu o primeiro capítulo, sobre coffe shops no caso, da série .
O episódio seguinte foi feito no México e brinca com luta livre, colonização espanhola sangrenta, mescal e, mais seriamente, trata da situação agravada com o tráfico responsável pelo narcoestado no país. Tudo sempre embrulhado em descontração, aloprando a linguagem careta de documentários sobre vida selvagem.
Os nomes das cidades sempre saem diferentes. O terceiro vídeo foi feito no museu de arte contemporânea Inhotim, em Brumandinho, MG. Sai em breve e mostra o personagem Maconhero Mascarado entupido de ácido original perambulando pelas atrações interativas do Museu.
O lance é que a produção surgiu de tiradas, zueira entre amigos e pura diversão. Feito nas férias e/ou oportunidades de viagem da dupla idealizadora. Os caras agora querem turbinar a parada com laser, luz neon e melhores equipamentos.
Para a quarta parte, os caras criaram uma campanha - que expira do dia 5 de julho no Catarse - para financiar a cobertura da terceira Copa Cannabis Uruguay em julho. Devem aproveitar a ocasião para falar sobre como o país vizinho do sul está lidando com a regulamentação do gererê desde o governo Mujica. Querem mostrar como o Uruguai está longe de ser o paraíso do turismo canábico, pois ainda é muito difícil descolar um do bom para quem não reside por lá.
Há planos para um episódio só sobre Buenos Aires e outro para o Rio de Janeiro com o objetivo de abordar a questão das UPPs, segregação e controle da população pobre e violência urbana gerada pelo proibicionismo, mas com mistura de ficção. No futuro, querem ir de Tijuana ao Colorado numa road trip.
Caio Luiz – Vi os episódios disponíveis e senti a irreverência dos quadrinhos Tarja Preta e o ativismo da Sem Semente.
Matias Maximiliano – Sim, foi exatamente da nossa experiência com a Sem Semente, que ruma para a quinta edição no semestre que vem, e com a criação de gibis alternativos e autorais que resolvemos criar o programa. Sou ativista desde 2002, sou um dos organizadores da Marcha da Maconha do RJ, mas dava receio de lançar uma revista e ser preso.
Caio Luiz – O que mudou isso?
Matias Maximiliano – Em 2011, o Supremo Tribunal Federal tornou inconstitucional a prisão por apologia. Isto praticamente legalizou o debate sobre drogas. Mesmo assim, tivemos problemas com gráficas e distribuidoras que se negavam a entregar a revista.
Caio Luiz – Positivo, então.
Matias Maximiliano – É, mas pessoas ainda são presas por usarem camisetas com folhas de cinco pontas. Há também o problema da partidarização da discussão sobre drogas. Várias legendas, principalmente as de esquerda, usam a questão para arregimentar filiados com discursos engessados e sem propostas práticas.
Caio Luiz – O STF vem trazendo o assunto da descriminalização do usuário à tona.
Matias Maximiliano – É avanço e parte dos primeiros passos para o futuro comércio de drogas. Há gente politizada que defende que drogas não podem ser vendidas como commodities, mas elas sempre foram isso no mercado negro. Uma hora, o governo terá que regular o uso, o plantio, a venda. Só temo como será feito por aqui.
Caio Luiz – Acha que acontece logo?
Matias Maximiliano – Vejo em cinco ou dez anos as pessoas mudando os avatares de redes sociais para verde quando o presidente dos EUA liberar a venda em todo o país. Foi assim com a união estável gay. Os estados de lá estão liberando aos poucos e iniciam efeito dominó nas demais fronteiras. Só não tombam os estados antiquados e conservadores. Mas a pressão dos demais força a federalização e isto impactará em futuras decisões na América Latina.
Caio Luiz – Seu medo existe por quê?
Matias Maximiliano – Em diversos sentidos, o Brasil é a vanguarda do atraso. Fomos os últimos a libertar escravos. Este é o momento de se debruçar sobre este tema. Tenho receio de que quando for liberado no Brasil, o façam para grandes empresários e corporações ou que, por meio do poder do discurso do capital, haja possibilidades tão grandes de desvios que isto dobre rapidamente as bancadas fundamentalistas do Brasil. Se houver chances de superfaturar, o negócio engrena.
Caio Luiz – Que modelo de regulamentação é o melhor para você?
Matias Maximiliano – Nos EUA é reflexo do modelo econômico liberal deles. É business com nuance de uso medicinal, recreação, etc. Na Holanda é hipócrita porque é permitido plantar outdoor, mas se alguém enfiar mudas embaixo de luzes em casa é preso. Os coffee shops podem conter até meio quilo para venda e os usuários só estão autorizados a cinco gramas. Ninguém respeita isso. Entretanto, o mais contraditório é que o abastecimento vem de plantações ilegais. Ou seja, não há modelo. Há permissividade velada que é retirada quando o governo acha conveniente.
O Uruguai permite até seis plantas por residência. A criação de clubes de cultivo e até o varejo, em fase de implementação com licitações para determinar quem serão os fornecedores. Mas o Brasil é complexo, grande, é preciso novos estudos para chegar a um meio termo entre as iniciativas.
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