Esta é a verdadeira história de uma artista erótica, de um romance hetero-lésbico e da primeira cirurgia de mudança de sexo do mundo.
A história começa há 100 anos. Em 1912, o casal de artistas Gerda (1886-1940) e Einar Wegener chegou em Paris, na esperança de conseguir maior prosperidade e liberdade do que tinham em Copengahen, sua cidade natal. Eles deram no entrada no Hôtel d'Alsace e ficaram surpresos ao saber que haviam sido colocados no mesmo quarto onde Oscar Wilde havia morrido 12 anos antes. O casal passou os próximos dias lendo a obra de Wilde em voz alta um para o outro. A sexualidade proibida, a transformação, a beleza e a tragédia na obra de Wilde foi refletida nos anos seguintes da vida do casal.
Em Paris, Gerda rapidamente tornou-se conhecida por suas ilustrações sensuais e de espírito livre. Essas ilustrações mostravam com certa frequência uma modelo misteriosa de lábios carnudos. Em 1913, o público ficou chocado ao descobrir a identidade da modelo: o marido de Gerda, Einar. Einar estava em transição para viver a vida abertamente como uma mulher chamada Lili Elbe.
A Mudança de gênero de Lili começou um ano antes, quando uma das modelos de Gerda não conseguiu aparecer para uma sessão. Gerda sugeriu brincando que Einar posasse para elas, vestindo um par de meias e saltos. Foi um momento de despertar para Einar. Nos anos que se seguiram, Lili tornou-se a principal modelo de Gerda.
A carreira artística de Gerda disparou, enquanto a de Einar nunca decolou. Exposições de desenhos decadentes de Gerda causaram tumultos e clamor público. Ela fez ilustrações de moda para a Vogue, ilustrou as aventuras de Casanova e dava festas selvagens e memoráveis em seu estúdio em Paris, que ela chamava de "Les Arums."
Uma relação incomum existia entre Gerda, Einar e Lili. O casal se referia a Lili na terceira pessoa quando ela não estava lá. Gerda parecia mais atraída pela animada e provocante Lili do que pelo tedioso Einar. Por outro lado, Einar notou que quando estava vestido de homem ele sofria de acessos de tosse e crises de depressão.
Em 1930, Lili foi para a Alemanha para realizar a primeira operação de mudança de sexo do mundo. Uma série de cirurgias deixou Lili rejuvenescida. Seu corpo parecia mais jovem, sua pele mais macia, e sua personalidade mudou mais do que nunca. "Eu não quero ser um artista, mas uma mulher", escreveu Lili. "Deixarei toda a criação artística fora da minha vida ... porque eu não posso continuar o trabalho do artista viril que era [Einar]."
Lili e Gerda voltaram a Copenhagen e alguns dos velhos amigos não reconheceram Lili. Ela podia caminhar anonimamente pela cidade, despercebida entre as mulheres e admirada pelos homens. Mas a vida não foi fácil para ela. Quando o casal realizou uma exposição de arte para ajudar a financiar as cirurgias de Lili, nenhuma pintura foi vendida após ela ter sido exposta pelos jornais. Certo dia em uma galeria de arte, uma mulher se aproximou dela e perguntou:
"Você não acha que aquela senhora com os pés e gravata que se parece com um homem, é Lili Elbe?"
"Sim", respondeu Lili. "Definitivamente é ela."
Em 1931, Gerda e Lili tinha se separaram de forma amigável. Seu casamento havia sido anulado pelo rei da Dinamarca, e ambos estavam saindo com outras pessoas. Gerda se casou com um oficial italiano, enquanto Lili tinha estava apaixonada por um jovem pintor francês.
É nesse ponto que a tragédia começa Na esperança de se tornar uma mãe, Lili fez uma última cirurgia, a de transplante de útero. A medicina anti-rejeição não existia até a descoberta da ciclosporina na década de 1970. O primeiro transplante de órgão bem-sucedido não aconteceu até 1980. O corpo de Lili rejeitou o órgão, e ela morreu dois dias depois.
Gerda Wegener nunca se recuperou da morte de Lili. Ela se divorciou do marido e se isolou em um pequeno apartamento alugado em Copenhagen. Suas pinturas haviam saído de moda e ela era incapaz de produzir um trabalho que seguisse as tendências artísticas da época. A artista, cujo trabalho já havia causado tumultos na França, agora se sustentava com desenho de cartões de Natal que eram vendidos à Coroa Dinamarquesa. Sem dinheiro no bolso, Gerda começou a ter sérios problemas com a bebida e morreu sozinha em 1940.
Sua história ficou esquecida até a segunda metade do século passado, até que as memórias de Lili Elbe, "Man into Woman", foi republicada na década de 50 em uma pulp magazine com uma abordagem sensacionalista. O autor Jan Morris e a tenista Renee Richards creditam o livro como a inspiração para a sua transição de homem para mulher. Em suas autobiografias, as duas mulheres narram o momento mágico em que puxaram o livro empoeirado na prateleira de uma livraria, e o quanto isso significou para elas.
Gerda, por sua vez, foi redescoberta mais de 40 anos após sua morte, quando algumas de suas pinturas eróticas foram encontradas em um sebo Copenhagen em 1984. Embora seu trabalho permaneça relativamente obscuro, é possível encontrar scans de muitas das suas ilustrações on-line, como as que você vê aqui embaixo.
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